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segunda-feira, 16, junho, 2025

Polícia investiga desvio em emendas parlamentares e cita 14 deputados de MT

Catorze deputados estaduais de Mato Grosso, um prefeito e um secretário de estado são citados em uma investigação da Polícia Civil que apura suposto esquema na execução de emendas parlamentares durante o período eleitoral. Eles negam qualquer irregularidade.


Polícia identificou um grupo criminoso que pode ter gerado prejuízo de R$ 28 milhões aos cofres públicos na compra de kits agrícolas. Os kits continham objetos como roçadeira, motocultivador, adubadeira costal e perfurador de solo. A Operação Suserano foi desencadeada em 24 de setembro de 2024 pela Deccor (Delegacia Especializada de Combate à Corrupção).

Documento obtido com exclusividade pelo UOL mostra que 14 deputados estaduais são citados com suspeitas de envolvimento no esquema. Além deles, o prefeito de Rondonópolis, terceira maior cidade de Mato Grosso, e o secretário estadual de Ciência, Tecnologia e Inovação também são citados na investigação.

Empresário Alessandro do Nascimento é apontado como suposto beneficiado do esquema. Ele seria sócio oculto de empresa que teria recebido dinheiro de emendas parlamentares de 14 deputados. A delegada responsável pelo caso, Juliana Rado, solicitou o encaminhamento do inquérito à Polícia Federal no dia 15 de maio.

Sobrepreço seria de 10,2 milhões. Os parlamentares foram os autores de emendas que resultaram em 24 termos de fomento assinados pela Seaf (Secretaria de Estado de Agricultura Familiar) com o Instituto de Natureza e Turismo – Pronatur para fornecer kits agrícolas comprados com sobrepreço de R$ 10,2 milhões, segundo a investigação.

Empresário teria atuado como sócio oculto de uma rede de empresas que foram destinatárias de emendas. Elas foram pagas pelos seguintes deputados: José Eduardo Botelho (União), que na época era presidente da Assembleia Legislativa de Mato Grosso (ALMT); Juca do Guaraná (MDB); Cláudio Ferreira (PL), atual prefeito de Rondonópolis; Doutor João José (MDB); Alan Kardec (PSB), atual secretário de Ciência e Tecnologia da Informação; Gilberto Cattani (PL); Fabio Tardin (PSB); Julio Campos (União), ex-governador do estado; Faissal Calil (PL); Nininho (PSD); Dr. Eugênio (PSB); Wilson Santos (PSD); Thiago Silva (MDB); Dilmar Dal Bosco (União) e Carlos Avalone (PSDB). 

O deputado Diego Guimarães (Republicanos) é citado no relatório, mas não pagou emendas.

Parlamentares negaram participação no suposto esquema. “Nunca participei de nenhuma entrega de obras ou equipamentos durante o período eleitoral”, disse Eduardo Botelho (União). O prefeito de Rondonópolis (MT), Cláudio Ferreira, afirmou que, enquanto exerceu o cargo de deputado estadual, destinou suas emendas parlamentares com vistas a atender os interesses dos cidadãos mato-grossenses, sendo que todas elas foram entregues e cumpridas (veja todas as defesas abaixo).

De acordo com as investigações, o dinheiro dos kits foi pago pelo instituto para a empresa Tupã Comércio e Representações. Segundo a polícia, a empresa estava em nome de um homem que seria laranja do grupo criminoso e trabalhava como treinador de futebol da Associação Atlética e Cultural Nacional, presidida por Nascimento. A associação também recebeu recursos de emendas para o projeto “Craque cidadão” que totalizaram mais de R$ 1 milhão.

Segundo as investigações, Nascimento planejava comprar dois imóveis nos Estados Unidos por R$ 7 milhões. A polícia suspeita que ele teria atuado para lavar dinheiro no exterior, utilizando um contador nos Estados Unidos. Procurada, a defesa de Nascimento disse que ele “não foi indiciado ou denunciado, sequer foi ouvido pela Polícia Civil” e negou que o cliente tenha contratos no estado do Mato Grosso.

Nascimento é apontado como pessoa próxima do deputado estadual Carlos Avalone (PSDB). Conforme as investigações, o parlamentar esteve presente na festa de aniversário de 15 anos da filha de Alessandro. Avalone foi o autor de uma emenda parlamentar de R$ 10 milhões destinada à compra de 25 mil kits de ferramenta da agricultura familiar. Procurada, a assessoria do deputado disse que “não houve entrega de kits em período eleitoral e as entregas feitas pelo deputado foram publicizadas nas redes sociais do parlamentar, para total transparência. O deputado reitera que está à disposição das autoridades para qualquer esclarecimento”.

Outro deputado citado nas investigações é Diego Guimarães (Republicanos). Ele teria recebido um ofício assinado pelo presidente do Instituto Pronatur, Wilker Weslley Arruda e Silva, no qual afirma que cada deputado teria direito a 200 kits para entrega em área rural e pede que o parlamentar apresente uma lista de quem será beneficiado com os kits e providencie o transporte.

Procurado o deputado enviou nota à reportagem dizendo que “não indicou entregas nem participou de qualquer entrega dos kits agrícolas. Como o deputado não destinou emendas, indicou beneficiários ou participou de entregas dos kits agrícolas, fica evidente seu distanciamento do caso”.

Caixa com anotações foi recuperada

Um dia antes de a operação ser deflagrada, em 24 de setembro de 2024, Nascimento teria descoberto as investigações. Segundo a polícia, ele deixou na casa de um casal de amigos uma caixa, na tentativa de evitar que o material fosse apreendido. A caixa foi entregue pelo próprio Nascimento à Polícia Civil dias depois.

Nela, foram verificadas anotações com os nomes de deputados estaduais. As anotações trazem os nomes de Eduardo Botelho (União) e Ondanir Bortolini (PSD), este último conhecido como Nininho.

“500k Nininho” e “1m Botelho” e, abaixo, “Distribuição e fomento de materiais esportivos para?”, diziam as anotações. Os cadernos que o investigado supostamente tentou esconder também mostram anotações em nome de Dr. Eugênio (PSB), Dilmar Dal Bosco (União), Faissal Calil (PL), Carlos Avalone (PSDB) e Thiago Silva (MDB).

A polícia também identificou que diversos deputados estaduais solicitaram produtos para a empresa Tubarão Sports. Segundo a polícia, a empresa também tem Nascimento como sócio oculto. Os deputados que fizeram estas solicitações, segundo a polícia, foram: Eduardo Botelho (União), Juca do Guaraná (MDB), Claudio Ferreira (PL), Doutor João José (MDB), Alan Kardec (MDB), Gilberto Cattani (PL), Fabio Tardin (PSB) e Júlio Campos (União). A defesa de Nascimento diz que “a empresa Tubarão Sports não é investigada na Operação Suserano e não foi alvo de nenhuma medida judicial”.

Investigação indica que dois assessores do deputado Eduardo Botelho assinaram como destinatários dos kits agrícolas. A polícia suspeita que, além do sobrepreço, tenha ocorrido crime eleitoral na entrega dos kits. Botelho e o deputado Thiago Silva entregaram kits em Cuiabá e Rondonópolis, cidades em que eram candidatos a prefeito, respectivamente.

Ainda segundo a Polícia Civil, os deputados Carlos Avallone, Faissal Calil, Wilson Santos e Juca do Guaraná destinaram emendas para cidades em que tiveram parentes beneficiados. A Pronatur também entregou kits em cidades das quais alguns deputados tinham aliados políticos no pleito municipal de 2024, a exemplo do candidato a prefeito de Várzea Grande, Kalil Baracat (MDB), que tinha como aliado o Deputado Júlio Campos, que destinou kits para o município.

Por conta das suspeitas, a Polícia Civil encaminhou as investigações para a Polícia Federal.

O outro lado

Os deputados estaduais e outros envolvidos citados pela Polícia Civil em uma investigação que apura suposto esquema na execução de emendas parlamentares em período eleitoral negaram ao UOL participação no caso. Leia os posicionamentos:

Eduardo Botelho (União)

Eduardo Botelho afirmou que não participou de nenhuma ilicitude e nega ter participado de eventos de entrega de equipamentos em período eleitoral. “Nunca participei de nenhuma entrega de obras ou equipamentos durante o período eleitoral. Sempre respeitei a legislação eleitoral”.

Juca do Guaraná (MDB)

Procurada, a assessoria do deputado não retornou aos nossos questionamentos. O espaço segue aberto para o parlamentar.

Cláudio Ferreira (PL)

O atual prefeito de Rondonópolis (MT), Cláudio Ferreira, afirmou que, enquanto exerceu o cargo de deputado estadual, destinou suas emendas parlamentares com vistas a atender aos interesses dos cidadãos mato-grossenses, sendo que todas elas foram entregues e cumpridas.

“Ressalta que a destinação da emenda questionada foi feita dentro da devida moralidade e legalidade, sendo que nunca autorizou ninguém a mencionar seu nome. Também afirma que a destinação da referida emenda jamais foi usada com cunho eleitoral, pontuando que cabe agora aos órgãos convenientes fazerem a fiscalização e a comprovação da entrega do serviço”.

Ainda concluiu afirmando ter compromisso com a transparência, “zelo com o bem público, eficiência e princípios constitucionais que regem a administração pública, colocando-se à disposição para quaisquer outros esclarecimentos”.

Doutor João José (MDB)

O deputado Dr. João José (MDB) disse que as emendas parlamentares estão previstas na Constituição do Estado de na Lei de Diretrizes Orçamentárias e Lei Orçamentária Anual, e que foram indicadas e executadas integralmente com seriedade e transparência, de acordo com a legislação.

“Dr. João reafirma seu respeito e comprometimento com toda a população do estado, por conseguinte, coloca-se à disposição para mais esclarecimentos, se houver necessidade”.

Allan Kardec (PSB)

O secretário Allan Kardec afirmou que não foi notificado em relação a qualquer procedimento investigatório, e que reafirma a lisura das suas relações institucionais enquanto deputado e detentor do direito de indicar emendas parlamentares para aquisição e distribuição de materiais esportivos como forma de incentivar o esporte em Mato Grosso.

Gilberto Cattani (PL)

Por meio de sua assessoria, Gilberto Cattani afirmou que suas as atividades parlamentares-administrativas são pautadas na legalidade e lisura dos preceitos constitucionais, “não havendo qualquer envolvimento com atos ilícitos, estando certo de que em eventual procedimento investigatório sua inocência será inconteste”.

“Manifesto ainda o apoio a toda e qualquer punição a quem praticar atos criminosos em nosso país, respeitados a ampla defesa e o contraditório”.

Fabio Tardin (PSB)

A assessoria do deputado afirmou que ele se encontra em viagem e não conseguiu contato com ele.

Julio Campos (União)

A assessoria jurídica do deputado Júlio Campos emitiu nota afirmando que apoia toda e qualquer investigação, tal como a Operação Suserano, desencadeada a pedido do Governo do Estado de Mato Grosso à Controladoria Geral do Estado.

“E, vem através de sua assessoria jurídica, notificar o UOL, que desautoriza o uso de seu nome e imagem, associados a tal operação, uma vez que não foi noticiado judicialmente e desconhece o conteúdo apreendido pela Deecor e que supostamente estaria relacionado à sua pessoa”.

Sobre a destinação de emendas, o deputado Júlio Campos esclarece que sua destinação busca atender áreas da saúde e da educação, e que as destinações a Cuiabá e Várzea Grande acontecem devido à alta densidade populacional e com administrações independentemente de partidos e legendas de oposição, não havendo mudanças na destinação das mesmas em 2025.

Diego Guimarães (Republicanos)

O deputado emitiu nota alegando que não destinou qualquer emenda, seja individual ou de bancada, ao Instituto de Natureza e Turismo Pronatur, e que um ofício da Pronatur que solicitava indicação de beneficiários para destinação de kits chegou ao gabinete, mas não houve indicação por ser considerado pelo gabinete um equívoco da entidade.

“O deputado não indicou entregas, nem participou de qualquer entrega dos kits agrícolas. Como o deputado não destinou emendas, indicou beneficiários ou participou de entregas dos kits agrícolas, fica evidente seu distanciamento do caso”.

Faissal Calil (PL)

A reportagem procurou o parlamentar e sua assessoria. Contudo, até a publicação desta reportagem, eles não responderam os questionamentos.

Ondanir Bortolini (PSD)

A reportagem procurou o parlamentar e sua assessoria. Contudo, até a publicação desta reportagem, eles não responderam os questionamentos.

Doutor Eugênio (PSB)

O deputado Dr. Eugênio disse desconhecer benefícios de agricultores em período eleitoral. “Não houve destinação de emenda impositiva em ano eleitoral, e desconhecemos que agricultores familiares e/ou pequenos produtores rurais tenham sido beneficiados em período proibitivo, ao que se refere ao projeto do Pronatur”, justifica.

Wilson Santos (PSD)

O deputado estadual Wilson Santos defendeu a destinação de emendas parlamentares, afirmando que tal recurso é previsto na Constituição de Mato Grosso. “A execução dessas emendas inclui o empenho, a liquidação e a compra de bens e serviços, sendo de responsabilidade das secretarias estaduais competentes”.

Ele também reforça que eventuais irregularidades devem ser apuradas pelos órgãos de controle, a fim de que sejam devidamente esclarecidas.

Thiago Silva (MDB)

O deputado afirmou que cumpriu rigorosamente a legislação eleitoral, e a campanha transcorreu dentro do mais absoluto rigor e estrita observância à lei, e que sob nenhuma hipótese praticou qualquer crime eleitoral, pois não realizou entregas de equipamentos durante o período de campanha, em 2024

“O deputado reafirma seu compromisso com a transparência, a boa aplicação dos recursos públicos e o desenvolvimento das regiões e distritos mais necessitados de Mato Grosso.”

Dilmar Dal Bosco (União)

A assessoria do deputado Dilmar Dal Bosco informa que sempre tomou os cuidados legais para não desrespeitar a legislação eleitoral, não participando das entregas de materiais e outros bens em período eleitoral.

Carlos Avalone (PSDB)

Já a assessoria do deputado Carlos Avallone afirmou que há anos destina emendas para fortalecer a agricultura familiar para contemplar pequenos produtores rurais com kits agrícolas, e que obedeceu fielmente à legislação vigente, com a devida prestação de contas, identificação e assinatura de cada beneficiário.

“Não houve entrega de kits em período eleitoral e as entregas feitas pelo deputado foram publicizadas nas redes sociais do parlamentar, para total transparência. O deputado reitera que está à disposição das autoridades para qualquer esclarecimento.”

Alessandro do Nascimento

1. A Operação Suserano está em segredo de Justiça;

2. Alessandro do Nascimento não foi indiciado ou denunciado, sequer foi ouvido pela Polícia Civil;

3. Alessandro do Nascimento e a Tubarão Sports não possuem contratos com o Estado de Mato Grosso; os Termos de Fomento são com a Pronatur e a empresa Tupã Ferramentas.

4. A empresa Tubarão Sports não é investigada na Operação Suserano e não foi alvo de nenhuma medida judicial.

Wilker Weslley Arruda

A defesa de Wilker Arruda não foi localizada

REPORTAGEM COMPLETA NA UOL

FONTE: UOL

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